Chovia bastante na rua Estevão Pinto. Tentava alcançar o saguão do Olympico, aguardar a chuva diminuir, pegar o ônibus 2102 e, finalmente, chegar em casa, molhada até a medula. Este era o plano, que se mostrou inviável desde o início pois não conseguia fazer a cadeira de rodas subir no meio-fio, muito alto. Ficamos ali, a cadeira e eu, recebendo as águas da chuva, vinda de cima e, do lado, a enxurrada com lixo. Muito tempo depois, apareceu outra alma penada e ajudou-nos finalmente na tarefa complicada, que poderia ser tão simples se houvesse uma rampinha. Fiquei matutando a razão para não estender às pessoas o mesmo tratamento oferecido aos carros. Afinal, nunca vi um carro com dificuldades para entrar nas garagens. (Ainda bem que foi um pesadelo enquanto dormia. Mas, na vida, o pesadelo acontece quando estamos acordadas.)
Falar de acessibilidade é falar de dignidade, inclusão e futuro. Muitas vezes reduzimos esta ideia apenas à presença de rampas. Mas ela é muito mais: envolve mobilidade urbana, comunicação, tecnologia, serviços e participação plena de todas as pessoas integrantes da vida social, independentemente de suas condições físicas, sensoriais, intelectuais ou etárias.
Nas cidades do interior, esse debate também é urgente. Ruas estreitas, calçadas irregulares, prédios antigos sem adaptação, escolas despreparadas e número crescente de automóveis, são parte da realidade da maioria dos municípios brasileiros. Esses obstáculos afetam diretamente a vida de pessoas com deficiência, mas também impactam idosos, gestantes, crianças pequenas, pessoas com mobilidade reduzida temporária e até mesmo quem carrega sacolas ou empurra carrinhos de bebê. A população está envelhecendo — esse é um dado concreto. Segundo o IBGE, até 2030 o número de idosos no Brasil será maior do que o de crianças até 14 anos. Cada vez mais, teremos cidadãos que precisam de calçadas planas, ônibus com elevadores, bancos acessíveis, banheiros adaptados e tecnologias inclusivas.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) define, em seu artigo 3º como “a possibilidade e condição de uso, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias”. Ou seja, deve ser pensada em todas as dimensões da vida urbana. Além disso, o Decreto nº 5.296/2004, regulamenta as leis de acessibilidade no Brasil (Leis nº 10.048/2000 e nº 10.098/2000) e estabelece normas técnicas para rampas, sinalização, pisos táteis, elevadores, transporte público e atendimento prioritário.
Por conseguinte, acessibilidade deve estar presente em vários aspectos da cidade:
– Nas ruas: calçadas com largura mínima, piso regular e antiderrapante, sem obstáculos; faixas de pedestre visíveis; semáforos com sinal sonoro para pessoas com deficiência visual.
– Nos prédios: escolas, unidades de saúde, comércios e prédios públicos devem ter itens de acessibilidade previstos por lei, como banheiros adaptados, barras de apoio, elevadores, rampas com inclinação correta e sinalização em braille.
– Nas escolas: acessibilidade não é só estrutura física, mas também pedagógica. A LBI garante o direito à educação inclusiva, com recursos de acessibilidade, materiais adaptados e formação de profissionais.
– Na tecnologia: a LBI também assegura o acesso à informação e comunicação, incluindo a obrigatoriedade de sites públicos e aplicativos governamentais serem acessíveis a pessoas com deficiência visual, auditiva ou intelectual.
A cidade acessível é aquela que entende que todas as pessoas precisarão de algum tipo de apoio em determinado momento da vida,. A acessibilidade não é favor, nem luxo, nem modernidade. É obrigação legal, direito constitucional e uma condição básica para o desenvolvimento humano, econômico e social de qualquer comunidade. Planejar com utilização dos padrões de acessibilidade é planejar com empatia, visão de futuro e compromisso com a cidadania.
Respostas de 11
Sensacional o texto! 👏 Sucesso sempre Odette, tema importantíssimo, debate idem – empatia sempre, um aprendizado ler Odette Castro,texto perfeito 👏
Muito obrigada!!!!
Muito bom Odette. Parabéns!
Obrigada Celeste!!!
Parabéns! Quanto mais informações e relatos como esse melhor. Quem sabe concientizando a realidade muda
Obrigada Geraldo. E parabéns pela crônica primorosa!
Odette, seu texto é magnífico, permitindo um verdadeiro aprendizado de humanidade, pela habilidade em traduzir seus sentimentos nas interações sociais, numa abordagem simples e completa. Parabéns! Sucesso , sempre!
Obrigada Aninha. É isto. Precisamos refletir além das rampas. Beijo!
Muito pertinente. Faz pensar.
Odete, parabéns pelo seu belo texto, alertando pela inclusão social, não só através de rampas, mas de um modo geral. Bj
Parabéns, querida Odete, pelo belo texto, alertando pela inclusão social, não só pelas rampas, mas de um modo geral.