Copa do Mundo de Clubes – Enfim a paz entre o futebol e sua família!

Publicado em: 31/07/2025 às 11:52

Atualizado em: 31/07/2025 às 18:09

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Foto: Frederic J. Brown/AFP

Que o futebol é o esporte mais popular do mundo todo mundo sabe. Que ele foi invenção dos ingleses e adoção brasileira também não é novidade pra ninguém. Mesmo assim, a primeira edição da Copa do Mundo de Clubes, ocorrida semanas atrás, teve um gostinho especial para aqueles que ajudaram esse jogo a alcançar o patamar que ele alcançou nos últimos 150 anos. Principalmente para quem se acostumou a enxergar “Copa do Mundo” em letras verdes e amarelas.

Muito se fala do “complexo de vira-lata” no nosso país. O que muita gente não sabe é que esse termo foi cunhado por Nelson Rodrigues na década de 50 e tem relação próxima com o futebol. Após a traumática derrota para o Uruguai no Maracanazo, o icônico escritor falou sobre o sentimento de inferioridade que o brasileiro possui em relação aos países considerados desenvolvidos. E como esse esporte não é apenas uma paixão nacional, mas sim um componente fundamental para entender a própria cultura tupiniquim, que a molda e por ela também é moldado, é evidente que esse complexo se estende para muito além das quatro linhas.

“Isso só acontece no Brasil”. “Se fosse no Brasil não funcionava”. “É o jeitinho brasileiro”. São muitas as expressões a que nos acostumamos ao longo da nossa rotina e que muitas vezes repetimos sem nem refletir o que está por trás delas. Eu fui viajar para fora do país pela primeira vez aos 24 anos de idade, e só então entendi o que muitos amigos já falavam sobre como a nossa percepção do Brasil muda quando temos contato de perto com o exterior. Via muitos que fizeram intercâmbio voltando com uma relação muito mais leve e bela com o que nossa nação tem de distinto e único em comparação com outras ao redor do mundo. Em especial do dito “Primeiro Mundo”. Mas não entendia muito bem o motivo disso.

Porém quando você começa a ver a forma como pessoas de lugares tão distantes olham para as nossas origens, o sorriso que abrem quando você diz ser brasileiro, a forma como celebram nossa cultura, ainda que de modo totalmente estereotipado, e o quão precioso e raro é o nosso modo de nos relacionarmos com os outros, as coisas começam a fazer mais sentido. A gente naturaliza muitas coisas do nosso dia a dia e se esquece do tanto que elas são preciosas. Normalizamos a riqueza da nossa culinária, como se fosse algo banal. Fazemos pouco caso da nossa música, como se produzir Miltons Nascimentos, Caetanos Velosos, Gilbertos Gils, Garotas de Ipanemas, Tims Maias, Seus Jorges, Ivetes Sangalos e Oloduns fosse algo corriqueiro. Até que começamos a ver os outros deslumbrados com “Ai Se Eu Te Pego”, achando o pão de queijo a coisa mais incrível que já comeram, querendo se mudar para cá após conhecerem o nosso Carnaval, encantados com a versão “padrão FIFA” do feijão tropeiro que comem no Mineirão e muito mais.

E o que tudo isso tem a ver com a Copa do Mundo de Clubes? Bem, como o Brasil é o “país do futebol”, é evidente que não foi coincidência o nosso vira-latismo ter um vínculo intrínseco com esse esporte. Poucos aspectos da cultura nacional foram tão fortemente impactados por essa síndrome de inferioridade quanto o meio futebolístico nos últimos anos. Por tudo isso, esse torneio, para o qual muitos olhavam com desconfiança, como se fosse apenas mais uma forçação de barra da FIFA com interesses políticos, acabou sendo um suspiro fundamental para nosso orgulho ferido. Recuperamos, ainda que momentaneamente, a noção do quão grande é o nosso futebol, e, por conseguinte, a nossa cultura.

Naquele 19 de junho, o que ocorreu não foi apenas uma vitória do Botafogo sobre o melhor time do mundo em uma partida impecável. Foi um lembrete de que, mesmo em tempos oligárquicos no esporte bretão (e na sociedade como um todo), em que os bilhões de poucos definem os rumos da paixão e da vida de outros bilhões, há coisas que se sobrepõem ao dinheiro. A vontade de ganhar a qualquer custo, a sinergia com a torcida, a união do time… não se compra uma história de devoção de toda uma nação a um esporte construída ao longo de mais de um século.

E o melhor é que, embora talvez tenha sido o mais impactante, esse triunfo não foi uma coisa isolada ao longo do torneio. Foi a regra, não a exceção. Por ironia do destino, foi logo nos gramados em que ele menos é valorizado, rebaixado a nada mais do que o pequeno “soccer”, onde o futebol se reencontrou com as suas raízes. Fez as pazes com o seu pai adotivo, representado principalmente pelas figuras de Botafogo, Flamengo, Palmeiras e Fluminense, e depois voltou à sua casa com o pai biológico, nas mãos do Chelsea. Um desfecho um tanto quanto poético para alegrar quem viu de perto o filho crescer e ganhar o mundo.

Não podemos ser tolos de acreditar que tudo isso é um sinal de que o futebol brasileiro ainda é referência mundial no mesmo nível que já ocupou décadas atrás, e que estamos de igual para igual com os grandes clubes europeus. Mas essa competição nos mostrou que, como Nelson Rodrigues já alertava há mais de 70 anos, precisamos ser mais gentis com nós mesmos. Dentro e fora das quatro linhas. 

E agora que os bilhões do exterior também estão olhando pro que acontece no nosso território, quem sabe eles não podem nos ajudar escrevendo certo por linhas tortas? Parafraseando a célebre fala do Comissário Gordon em “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, as SAFs estão longe de ser o herói que o futebol brasileiro merece. Mas talvez, neste momento de elitização generalizada, elas podem curiosamente realizar o ato heróico de recolocar nosso esporte numa posição respeitável no cenário mundial.

É uma pena que essa reconquista tenha de ser acompanhada de longe pelas massas, que foram as grandes responsáveis por assinar os papéis da adoção e educar esse filho que agora acena de volta ao seu berço familiar. Mas infelizmente não se pode ter tudo. O fato é que a Copa do Mundo de Clubes reacendeu uma chama de esperança genuína nos corações brasileiros. Resta a nós torcer para que esse fogo se espalhe e seja mais do que um simples aceno. Quem sabe ano que vem o “soccer” não volta a ser futebol em outra Copa do Mundo em território estadunidense? Pros que só valorizam aquilo que é importado, nunca estivemos tão fortalecidos para essa missão, com Carlo Ancelotti passando pela nossa alfândega. Pode ser que, assim como o intercâmbio em terras estrangeiras, essa seja a solução para o nosso vira-latismo: o contato com o que vem de fora para valorizar o que temos de melhor aqui dentro. Não sei se é o que Nelson indicaria, mas para curar certas doenças às vezes precisamos de um remédio mais amargo. Nada que um Hexa não consiga adocicar.

Victor Cordeiro

Victor Cordeiro é belo-horizontino, formado em Comunicação Social pela UFMG. Atualmente trabalha como professor de Língua Portuguesa na rede municipal de Caruaru, em Pernambuco. Cruzeirense fiel, é apaixonado por futebol, música, cinema e, principalmente, pela cultura nacional. Ama discutir esses e outros temas, seja em uma mesa de bar com os amigos ou em seus textos reflexivos na internet.

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