A Trindade, na religião cristã, é a crença de que Deus é um só, que existe em três pessoas distintas: Pai, Filho (Jesus Cristo) e Espírito Santo.
José do Espírito Santo, conhecido por Zé Bolão, carrega no nome a indicação dessa doutrina central do cristianismo. Em nossa conversa, referiu-se com reverencia ao poder divino: – “Deus abençoa a gente demais” e, ao mesmo tempo, esclarecia reverenciar ao Criador nos momentos em que as igrejas estavam em silêncio sem a presença de celebrante. Desconfiado, como muitos mineiros, nos fez lembrar da frase atribuída a Nelson Rodrigues: – “Sacerdócio é o ócio consagrado aos deuses”.
Nasceu em Peçanha, em 1953 e por lá morou até aos 12 anos. Talvez em mais uma aproximação à sua religiosidade, conforme a relatado pela Bíblia este período refere-se também à fase em que Jesus viveu em Nazaré. Órfão de mãe ainda muito cedo foi adotado pela família da tia, passando assim a ter o carinho e cuidado de duas famílias. A natural, com seis irmãos e a adotiva com sete. Caçula nas duas famílias, recebia sempre orientação de todos, principalmente de Socorro, irmã adotiva, que custeou parte de seus estudos no ginasial.
Estudou do primário ao ginasial na Escola Estadual Dr. Antônio da Cunha Pereira. Foi reprovado duas vezes e se conscientizou: – “Ficar sem estudos não existe!” Reorganizou-se e nunca mais necessitou fazer uma prova final para passar de ano.
Na adolescência, além dos estudos e da grande habilidade para desenho e futebol, trabalhou na torrefação do Sr. Carlos França e depois no Cartório de Registros de Imóveis do Sr. Jeremias.
Terezinha Gomes da Silva, grande amiga, relata seu convívio com ele:
– “Me lembro do Zé na minha vida desde a adolescência. Dos jogos intermináveis de buraco, onde o maior ladrão da praça estava lá, impassível, com as pernas abertas debaixo da mesa, ocupando o espaço de todas as outras pernas. Debaixo da coxa, escondida uma canastra real. E as cartas iam beneficiando o Zé a cada jogada. Recordo também das tábuas corridas da minha casa, brilhantes, quando eu passava cera e o Zé, o escovão. Precisávamos terminar logo para jogar buraco ou ir a algum lugar.
Algumas outras coisas me fazem lembrar imediatamente do Zé: ‘a batida do surdo de marcação e música do Tim Maia’. Zé tinha se não toda, quase toda discografia dele. Essas músicas animavam as “furrupas” nos finais de semana, cada dia na casa ou garagem de alguém.
Nesse momento o talento para o futebol já se manifestara e, continua ela, ‘Até que o Zé nos traiu. Foi ser goleiro do Malalis, quando todos seus amigos torciam pro Grêmio. Nunca vou perdoá-lo”.
Esse talento para o futebol levou-o para Belo Horizonte aos 13 anos, e depois para o Rio Janeiro, onde treinava no Clube Olaria, sob a supervisão de Danilo Alvim, antológico técnico que dirigiu a seleção brasileira.Por volta de 1975, conciliava o futebol e o emprego na Editora Expansão Territorial e se preparava para ser goleiro de um time na Argentina, conforme lhe prometeram. Nessa época, teve ainda a aprovação em concurso na Souza Cruz, uma possibilidade de ingresso na Marinha, como caldeireiro, mas desistiu de ambas as oportunidades. Ouvindo apelos da mãe Rita, voltou a Peçanha, para prestar concurso na Cemig, sendo reprovado no psicotécnico, embora tenha dado “cola” de “múltipla escolha” a dois amigos que foram aprovados. Na terra natal trabalhou por três anos no Banco Real (caixa, tesouraria, gerente/CPJ Centro de Pessoa Jurídica). Pediu transferência para Belo Horizonte, e permaneceu como bancário por vários anos. O Plano Cruzado dentre outras consequências ao país, no seu caso aumentou exponencialmente o volume de trabalho tornando-o tão exaustivo que terminou pedindo exoneração.
Em 1987, morando em Contagem, conheceu Rosilene Queiroz que viria a ser sua segunda esposa, companheira da vida. Então, 38 anos depois do início da vida profissional, montou um boteco. Logo em seguida um sacolão e um açougue, mesmo não tendo intimidade com o mercado de verduras ou carne. Não teve sucesso mas “desanimar” era palavra que não existia no seu dicionário. A propósito, refletiu assim: – “O que é seu, é seu. Está escrito!”. Daí entender como promissora a ideia de investir em um bar, com seis sinucas e mesa de pife (N.R. Pif Paf, também conhecido como Pife, é um jogo de cartas popular). Em frente ao bar, montou, o Churrasquinho Du Bolão, que se tornou o sucesso entre 1994 a 2001, e também um Pesque e Pague, em um bairro próximo a Nova Contagem, que funcionou de 1999 a 2000.
Ainda achava tempo para, à noite dirigir o bar do estádio de futebol do Ipiranga, no período de 1990 a 2005. Durante quinze anos conviveu com muitos atletas que viriam a ter carreira sólida no esporte.
A sorte, que já lhe sorria, aumentou quando se dedicou à política, trabalhando em torno de dez anos com Paulo Mattos, vereador e prefeito de Contagem, ocupando, dentre outros, o cargo de confiança de administração da Subprefeitura de Nova Contagem. Deixou a política em 2000.
Em 2019, outra grande oportunidade surgiu lhe apareceu, com a oferta de dirigir o bar, restaurante e atividades administrativas do Clube dos Metalúrgicos, onde ficou por três anos. Desde 2003, dedica-se integralmente ao Restaurante Du Bolão, um verdadeiro ponto turístico de Contagem. Nas paredes, os vários quadros da sua lavra, alguns a óleo e vários a lápis, dão ao ambiente um ar acolhedor. A fornalha a lenha e o cardápio variado da boa cozinha mineira acentuam a atmosfera hospitaleira.
Casado, três filhos e quatro netos, não bebe e fuma há trinta anos, prefere o descanso com a família e viagens de lazer. Saímos com a impressão de que se o seu Anjo da Guarda aparecesse no Restaurante Du Bolão perguntando o que o Zé poderia querer a mais, ele talvez respondesse – “Um franguinho com quiabo, couve e angu mole.
Zé Bolão é um homem feliz, realizado, grato a Deus e à vida que Têm lhe dado tanto.
Respostas de 6
Parabéns ao Zé Bolão , pela sua rica vida e ao Wilson que a transformou em um envolvente texto.
Meu amigo querido!
Que legal conhecer a história de vida de mais um conterrâneo!
Amei!
Parabéns Wilson pela originalidade da matéria e a feliz escolha do personagem de inigualável risada.
Zé:você é demais!!
Que história linda a do Źe Bolão, grande amigo, meu ídolo goleiro. Precisamos reunir os 70 e Uns e comer um franguinho com quiabo la no restaurante dele. Estou dentro!
Ótimo texto, cuidadoso ao mostrar como a grandeza e as conquista da vida do Zé Bolão foram bonitas!
Parabéns
Ótimo texto Wilson. 👏👏👏👏👏